domingo, janeiro 22, 2012

CARTA AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA*

Exmo. Sr. Presidente da República,  

Sempre os Portugueses se habituaram a ver nos chefes de Estado, tanto em monarquia como na República, não apenas a figura paternal, daquele que está com eles nos bons e maus momentos. Uma figura que pudessem identificar como protector, que combatesse com eles, e fosse à sua frente, nas guerras contra inimigos externos e internos. Que os amasse. Mas também a quem amassem, em quem vissem um exemplo de conduta e ética, de casamento feliz entre valores e conduta.  

O Sr. Presidente pretendeu inserir-se nessa linha de mito, procurando transmitir de si a imagem de pessoa honesta, e última reserva moral da Nação. O Sr., porém, tem-nos grandemente decepcionado. Foi obrigado a renunciar ao seu vencimento de Presidente, em virtude uma lei que, justamente, impedia os detentores de cargos públicos de acumular vencimento com pensões. Fê-lo por isso, claramente, porque a tal foi obrigado. E escolheu o valor que maior rendimento lhe dá: a acumulação de pensões. Esperava-se do detentor da mais alta magistratura nacional o exemplo pró-activo, que o tivesse feito antes da implementação da tal lei, voluntariamente. Isto, sim, constituiria um exemplo. Isto, sim, daria um sinal aos seus concidadãos de que se identificaria com eles, e que se poderiam identificar com o senhor. Mostrou, afinal, que é um cidadão como os outros: nem melhor nem pior, que até se pauta pela conveniência pessoal, e segundo este padrão usa a lei. Tivesse-o feito, teria dado prova de sensibilidade, de generosidade, de sabedoria, de virtude cristã, de que é Presidente para servir, não para ser servido. Todavia, o cidadão, que é Presidente, que dá lições aos outros era um dos tais que acumulava, e só deixou de o fazer porque, infelizmente para ele, a tal foi legalmente obrigado.  

Mais recentemente, antes da aprovação do Orçamento de Estado, manifestou apreensões quanto aos sacrifícios impostos aos cidadãos a que obriga a aplicação do mesmo. Porém, tendo tido a oportunidade de agir em consciência e em concordância com as suas declarações e apreensões, vetando-o, suscitando a fiscalização preventiva da respectiva constitucionalidade, não o fez, tendo-o promulgado liminarmente. Donde, a sensação que fica para os Portugueses é de o seu Presidente ser uma figura que custa muito dinheiro ao erário público, que fala, por vezes bem, mas que não age quando se impõe. Uma magistratura inútil, inepta, e pior, inconsequente, pois, ao falar, espera-se que aja em conformidade. E abstém-se de o fazer.  As suas últimas declarações, contudo, excederam as expectativas. O senhor disse, e cito o que vem transcrito pelos órgãos de comunicação social: "tudo somado, o que irei receber do Fundo de Pensões do Banco de Portugal e da Caixa Geral de Aposentações, quase de certeza, não vai chegar para pagar as minhas despesas, porque como sabe eu também não recebo vencimento como Presidente da República." O que o senhor recebe de pensões, acumulado, são, ao que consta, 10 042 €. A este montante acrescem outros rendimentos seus, publicamente divulgados. Não há memória de tal honestidade nas palavras de um político em Portugal, que assim mostra o íntimo da sua alma. E de tão grande afronta e insulto aos milhares e milhões de concidadãos, que vivem com 5 % mensais ou menos do que isso, e com isso têm de sustentar famílias, pagar rendas, comer, tratar da sua saúde. Ou aos que nem isso têm, pois se vêem no desemprego de longa duração. Aos que, mesmo trabalhando, têm mais despesas do que receitas, e por isso passam fome. Como podem esses Portugueses fazer face às suas despesas, se o senhor, com os seus rendimentos mensais, não consegue? Permita que lhe diga, Sr. Presidente: não será caso para pensar que, quiçá, o senhor não tem vivido acima das suas possibilidades? Não será caso para, como cidadão, fazer o mesmo que os seus concidadãos: reduzi-las?  

Não há comentários possíveis à inenarrável declaração de V. Exa.. É bom que saiba, Sr. Presidente, que o sr. acabou por dar o golpe de misericórdia na já pouca confiança e ligação que os cidadãos tinham com os políticos que os têm governado.  E é em nome da liberdade de consciência e de expressão, e do sobressalto cívico que V. Exa. invocou aquando da tomada de posse para o seu segundo mandato, que, como cidadão livre, e por acaso que se identifica com a área político-ideológica da qual V. Exa. é oriunda, que apelo a que resigne ao cargo. V. Exa. deixou de ser o Presidente de todos os Portugueses. As relações entre Presidente e os seus concidadãos fica manchada pela vergonha, pelo sentimento da traição daquele para com estes. Deixou moral e politicamente de ter condições para tal. A menos, evidentemente, que V. Exa. tenha uma explicação para dar aos Portugueses. A menos que se tenha expressado mal, por omissão, e não se estivesse a referir às suas despesas pessoais e familiares, mas às inerentes com o cargo e o sustento dos serviços agregados à sua Casa Civil e das instalações que, por inerência de cargo, ocupa. Dou-lhe este benefício da dúvida, e honestamente tenho, como têm os meus e seus concidadãos, de considerar a hipótese do contraditório. Mas, se nada for dito da sua parte, se se mantiver o silêncio, se nada tiver a nos dizer, é minha opinião (e estou certo de que da generalidade dos Portugueses) que V. Exa. faria bem a si próprio, e a todos os Portugueses, em poupá-los a quatro longos e penosos anos deste sentimento de vergonha, até ao fim do seu mandato, resignando de imediato ao cargo de Presidente da República Portuguesa.   Com os melhores cumprimentos,  


Rui Duarte  

*Texto enviado por correio electrónico para a Presidência da República: belem@presidencia.pt. Coloquei no assunto "exemplo".

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