quarta-feira, maio 26, 2010

O PIANO


“There is a silence where hath been no sound,
There is a silence where no sound may be,
In the cold grave – under the deep, deep sea”
Thomas Hood, “Silence”

Da praia cinzenta longe
guerreiro hirto contra as garras
levantadas das águas
resgatei tecla a tecla
o meu piano

No fundo denso e de lama
da floresta encontrei
a plateia para a minha tocata
e nela derramei tecla a tecla
a minha voz

Nos sinais das mãos
e no deleite dos olhares
fremente na fascinação das asas
pairando sobre a pele
nua
cativado foi tecla a tecla
o meu amor

Lá onde nunca
um assobio se ouviu
onde todo o som é impossível
lacei todas as teclas
do meu silêncio
ao frio silêncio
da funda e profunda tumba
do fundo do mar


18/05/10

TALVEZ




Talvez se eu abrir a janela ao dia
veja a noite acenar para mim
e as árvores sem mácula
estenderem pássaros
verdes

talvez deixe que o riacho
que passa indolente
no fundo da ribanceira
se projecte afinal no ar
e o beba com toda a força
da minha sede

talvez afinal eu precise
de um salto para além da rotina
do mesmo modo de versejar
e do mesmo jeito de beijar
e só precise disso mesmo:
que da noite das árvores do riacho e de ti
eu aprenda quanto mistério
há ainda em todos vós
por perscrutar

18/05/10

sábado, maio 08, 2010

Ensaio sobre a união do Corpo

Há dias, num “post” de um amigo do FaceBook, desenvolveu-se entre mim, ex-católico e ex-agnóstico e hoje tecnicamente evangélico, e outro amigo, ex-ateu e ex-convertido evangélico e actualmente católico, um debate em que de um lado e do outro se terçaram argumentos acerca dos fundamentos teológicos em que um e outro baseiam a preeminência da sua variante de Cristianismo em relação à do outro. Mal algum vem ao mundo com tais debates, simplesmente sei, por experiência, que quando a temática é religião, futebol e política, os debates têm a potencialidade intrínseca de se tornarem emocionais, porquanto mexem com a alma e com o sangue, habitam as cavernas da vida. Por outro lado, qualquer debate exige tempo e atenção dos contendores, o qual terá necessariamente de ser tomado de empréstimo a outras tarefas em agenda. Por isso, não queria prolongar muito esse debate, ainda porque, por outro lado, mais não seria do que os contendores mais não seriam do que novos avatares que, quiçá às centenas de milhar, já antes de nós o haviam tido.


O meu temor de a conversa degenerar em emocionalidade confirmou-se: o meu amigo entrou num registo de tentativa de persuasão e de conversão da minha pessoa. A frase-chave, em relação à rejeição de certos fundamentos dogmáticos caros ao catolicismo (como a primazia de Pedro, a questão da veneração ou adoração a Maria) pelos protestantes e evangélicos, foi: “Porque não aceitais?” Mais adiante, o meu amigo ousou dizer que, se eu lesse o que ele leu e pesquisasse o que ele pesquisasse, não continuaria a ser protestante por muito tempo. Pois era precisamente isso que eu queria evitar. Na minha infância de cristão nascido de novo, eu gostava desses debates, vibrava com a pesquisa das razões espirituais, históricas e escriturísticas que assistem à fé cristã e, convencido da pertinência das mesmas e animado de um espírito de missão e de fogo glossolálico pentecostal, partia à evangelização dos perdidos, incluindo dos católicos e dos evangélicos de outras denominações não pentecostais, pois estes últimos também andavam a perder algumas coisas importantes para terem uma vida cristã mais plena. E, em abono da verdade, não era só o entusiasmo que era grande, mas a minha facúndia e destreza dialéctica não eram modestas. Eu era uma espécie de Demóstenes evangélico. Entretanto, deixei-me disso. Infelizmente ou talvez não. Hoje não me interessa ter razão e ganhar o debate pela extenuação ou pela conversão do outro. Não me empenho em converter ninguém. Lembro-me de Jesus, e de como nem Ele, sendo a Verdade, se esforçava por converter ninguém, simplesmente ensinava, operava milagres, amava e estava com as pessoas e não lhes exigia adesão. Só com aqueles que O queriam seguir era mais exigente, por querer fazer destes mestres de vida para as gerações vindouras. E com os religiosos e leitores ávidos de teologia, esses que levam o debate teológico mais a sério do que a própria vida e tão convencidos em si mesmos da sua verdade como sendo a própria Verdade, era curto e grosso. E em seguida seguia o Seu caminho deixando-os a pensar e murmurar sozinhos. Será da idade, será das minhas experiências de vida cristã não sectária que mudei a minha atitude? Talvez por tudo isto, e estou contente com o facto. Em suma, nada tenho contra a troca de argumentos: um diz o que pensa, o outro faz o mesmo, e fica-se por aqui. Sem que um tente converter o outro. Católicos e protestantes/evangélicos já conhecem bem os argumentos dos outros. Repeti-los torna-se exercício de tautologia. E cada parte, estribada na sua convicção da sua superioridade, acaba cada parte por recorrer à argumentação pela infamação do outro: pega-se nos defeitos, contradições internas, erros e responsabilidades históricos e fealdades do outro como forma de desacreditar as suas ideias (a Inquisição, as cruzadas, o complexo imperial, o erro exegético da conexão Pedro/pedra, a veneração/adoração a Maria, o magister dixit dogmático da cúpula nos católicos, a sobrevalorização da “Tradição” a par e mesmo acima da Escritura; a não aceitação da antiguidade da noção da primazia de Pedro e da existência da igreja católica, a rejeição da honra devida à Mãe de Deus, as mais que muitas divisões teológicas e orgânicas, o desconhecimento absoluto e universal da formação do cânone e a ignorância teológica em geral, entre protestantes). Decido terminar o debate, pois tinha inquinado. A última intervenção foi desse meu amigo. Ao que ele disse eu teria com que refutar e contra-argumentar ponto por ponto. Até por uma questão de honra à minha idade, cabelos brancos, inteligência e conhecimentos, pois boa parte do que ele lera e me aconselhou a ler eu conhecia, tendo tirado conclusões distintas. E pelo que eu considerava ser um topete de alguém mais jovem do que eu, que, não tendo achado respostas às suas questões nas teologias protestante e evangélica, as teria achado na católica, tentando agora fazer um prosélito da sua confissão. Se eu tivesse prosseguido, faltando à minha promessa de me calar, não faltaria réplica a cada um dos meus argumentos. E a réplica não ficaria isenta de tréplica, e assim sucessivamente, de forma que, mesmo que cada um abandonasse a pretensão de querer converter o outro e nos cingíssemos ao plano das ideias, ainda estaríamos aqui daqui a cem anos. Eu tinha e tenho as minhas opiniões sobre os cultos, teologia, história, liturgias e alegações católicas, pelo conhecimento de décadas e de leituras, mas abstive-me e abstenho-me de dizer mais acerca do que penso. Mas como esse é peditório para o qual eu já dei e hoje o debate pelo debate, sem fim, não me interessa, calei-me. Ponto.


Mesmo antes desta conversa, tinha já em mente escrever algo que com ela se relaciona. Que essa conversa tenha ocorrido apenas confirmou a necessidade e a urgência que o meu coração recebera do Espírito de Deus nesse sentido. O que significa ser cristão? O debate pelo debate nas cartas paulinas (1.ª aos Coríntios e aos Gálatas) é designado “facciosismo”, e classificado como carnalidade. Obra humana, pois. Nada tem a ver com o zelo de Deus pela Verdade, e esta em Amor. O impulso para meditar e escrever sobre o assunto surgiu após o fim-de-semana de comunhão anual da Aliança Evangélica do Luxemburgo, há algumas semanas atrás. Presente pela segunda vez para ministrar à comunhão de igrejas o pastor norte-americano Dan Sneed. O cerne do conjunto de mensagens, como no ano passado, foi o apropriado para as circunstâncias: a unidade. Mais propriamente, foi a mensagem de sexta feira que me sugeriu o mote. Tratou-se de essencialmente de um testemunho de testemunhos. Contou que em certa ocasião estivera no Iraque a pregar para um encontro de várias igrejas cristãs. Estavam presentes católicos, protestantes, ortodoxos, igrejas de rito oriental, metodistas. Inúmeras são as diferenças teológicas, hermenêuticas e litúrgicas entre uns e outros; todavia, imperava a unidade. Todos eles, se se pronunciassem sobre as suas concepções e doutrinas, teriam pano para mangas para discutir. Mas não o faziam. Amavam-se e tinham prazer em estar juntos. Havia no entanto necessidade de perdão. Todos eles tinham pessoalmente, ou alguém na família, que tivesse sido preso, torturado, perseguido, violado. Logo, todos eles tinham necessidade de perdoar a alguém. E a pregação que Deus instruiu Dan Sneed foi o testemunho do perdão ao assassino do seu próprio filho. E o Espírito Santo levou aqueles irmãos a abraçarem-se e chorar juntos, a perdoar, adorar a Deus em conjunto e a reforçar o amor que tinham uns pelos outros. Num país de maioria muçulmana, onde imperava um regime ditatorial, é uma questão de sobrevivência.

Discutir diferenças teológicas e tentar converter o outro é estranho aos cristão dessa terra, sejam eles católicos, protestantes, ortodoxos, igrejas de rito oriental, metodistas. É carnalidade e criancice. O sinal distintivo é o amor, o prazer de estar com e em serviço do outro. E este é o verdadeiro testemunho, no Iraque e em qualquer parte do mundo. É para isto que quero trabalhar, não para converter o meu irmão à minha teologia nem para ser convertido à dele. Quem quiser contestar que contesta, mas não pode deixar de entender o que dever entendido: isto é Cristianismo.

domingo, maio 02, 2010

Vilar Formoso (para Rui Miguel Duarte)



Cais de embarque
espreitando
para lá do silêncio
da curva das linhas
os sonhos que hão-de chegar
as malas, a vida
e os olhares sonâmbulos.

Poema de J. T. Parreira

sábado, maio 01, 2010

REFLEXÃO SOBRE SER CATÓLICO

Um artigo do Pe. Anselmo Borges. Para ler e pensar Aqui