UM DEPOIMENTO QUE MERECE RECTIFICAÇÃO:
As "inmentiras" de José Mário Costa.
No seu depoimento deixado em "audição" no GT para Acompanhamento da Aplicação do Acordo Ortográfico, José Mário Costa, coordenador editorial do Ciberdúvidas (texto que publica neste portal, no endereço ), elenca o que ele chama "inverdades" do desacordismo.
1. Entre eles a questão do adiamento no Brasil, que se deveria a uma harmonização com o prazo português. Cita para tanto uma das proponentes do Decreto Legislativo ao Senado, Senadora Ana Amélia Lemos.
A declaração da Senadora vem igualmente citada aqui. O próprio Secretário da Educação Básica do Brasil se exprime em termos análogos — ajudo eu o José Mário Costa.
Entretanto, porém (cf. a mesma notícia da Globo), consultas com Ministros do Governo de Dilma Roussef conduziram ao parecer de que "a melhor abordagem seria por meio de um decreto". Isto porque, tratando-se de um tratado internacional, um projecto legislativo «criaria alguns problemas de ordem legal».
A bota não bate com a perdigota, no Brasil ou no entusiasmo iconoclasta do ciberdúbio José Mário Costa. Em que ficamos quanto às razões do prolongamento Brasileiro do prazo de transição? É uma questão de alinhamento cronológico com Portugal ou de atalhar caminho relativamente à tramitação e poder legal de um decreto senatorial? É o quê, afinal? Qual é a "inmentira" no meio de tudo isto? Ou é tudo isto e mais outras coisas? Ou a Senadora não diz coisa com coisa ou faltam dados...
Mas vejamos: essa Proposta de Decreto Legislativo Senatorial n.º 498 (PDL), de que a Senador Ana Amélia é co-autora juntamente com o Senador Cyro Miranda, diz o seguinte, EXPLICITAMENTE:
"O presente projeto de decreto legislativo objetiva solucionar controvérsias suscitadas por determinados gramáticos e países no tocante à implementação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que dizem respeito a:
1. Divergências existentes entre os textos do Acordo e do Vocabulário Ortográfico da Lingua Portuguesa, que prejudicam a padronização gráfica pretendida, como foi demonstrado em duas audiências públicas realizadas nesta casa
2. Inadequação do Acordo aos padrões didáticos atuais, desvalorizando o raciocínio e o entendimento do aluno. O Acordo, pensado em 1975 e assinado em 1990, reflete a visão pedagógica daquela época, baseada principalmente no decorar, e não no entender. A existência de confusas regras, listas de exceções, incoerências e contradições não seriam questionadas no passado, mas hoje fortalecem o irrebatível argumento de que “nem os professores de Português aprendem tais regras”, como justificam Angola e Moçambique, pela sua não homologação;
3. O acordo amplia seus efeitos para pontos não discutidos, exemplo: a supressão do trema foge ao escopo do acordo, pois o trema não é um sinal apenas ortográfico, mas ortofônico, indicador de pronúncia, e sua eliminação dificulta o ensino da prolação correta;
4. O não estabelecimento, até hoje, por meio das instituições e órgãos competentes dos Estados signatários, de um vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa, necessário à maior união dos povos e de sua ortografia. Com efeito, referido vocabulário deve ser tão completo quanto desejável e tão normatizador quanto possível, no que se refere às terminologias científicas e técnicas. É o que dispõe o Artigo 2° do Acordo."
É claro? Explico: não há, como é bom de ver, entusiasmo especial no Brasil com este AO. A proposta di-lo!!
Há problemas de interpretação dos dados existentes. Quanto a mim, penso que duas duas uma: ou que a Senadora está tate-bitate, ou que as suas palavras parecem bem mais cortesia cheia de omissões, muito própria da linguagem política; parece impossível explicar que se fale de um alinhamento puro e simples com os prazos de Portugal. E só por ingenuidade se pensará, em Portugal, que foi isso e só isso que o Brasil fez. Está tudo acima. É que não acredito que de manhã a Senadora pensasse que o AO90 está datado, e à tarde que afinal é excelente e afinal só não está plenamente em vigor por especial cortesia com os prazos lusos!… Não acredito que a Sra. Senadora sofra de mal bipolar. Mas sabe-se lá, pois aqui a Senadora dizia há um ano outra coisa diferente da da notícia indicada por José Mário Costa, todavia mais conforme à PDL. Terá ela mudado de ideias? Em princípio, uma lei, ou proposta de lei, tem prevalência sobre ditos à comunicação social, pelo que é de crer que a citada PDL constitua o mais efectivo repositório do pensamento da Senadora.
O Sr. José Mário Costa não deve ter lido a PDL — ou, se o fez, fê-lo obliquamente. E só citou as fontes que lhe interessavam para corroborar a sua tese de que a maravilhosa aplicação do AO90 no Brasil está bem e se recomenda. Também se desconhece se viu o vídeo para o qual acima se remete. Note-se que a Senadora cita o Prof. Ernani Pimentel. É de crer que a Senadora, para a elaboração da PDS, se tenha baseado, pelo menos parcialmente, nas opiniões deste professor. Aliás, a tal prorrogação do prazo de aplicação por parte do Brasil ter-se-á a pressões da sociedade civil, e foi apoiado sem reservas por membros do governo e outros partidos da oposição, e a recomendação final veio do Ministério de Relações Exteriores, secundado pelo Ministério da Educação. Entre os que pressionaram, e que foram inspiradores do processo que conduziu ao Decreto Presidencial, conta-se precisamente Ernani Pimentel e o seu Movimento Acordar Melhor, do Prof. Ernani Pimentel).
Será bom lembrar o que pretendem: o prolongamento da fase transitória entre ortografias, e mais, a revisão do texto do tratado de acordo ortográfico, ou até mesmo a elaboração de «um outro acordo, com maior participação da sociedade, e que só passasse a valer a partir de 2018», como propôs o Senador Cyro Miranda. Tal revisão seria no sentido de que «Simplificar a ortografia é promover a inclusão social». Assim, este movimento defende uma radical simplificação ortográfica, considerando que as regras ortográficas são ainda muito complicadas e obrigam à memorização, tornando-se factor de exclusão social.
Fará bem o Sr. José Mário Costa consultar estas fontes para ter uma ideia mais clara da complexidade do processo que conduziu à tal prorrogação. Não é matéria linear.
Voltando à PDS, que consubstancia em princípio o pensamento dos seus proponentes (Senadores Ana Amélia Lemos e Cyro Miranda), atente-se em uma coisa mais: essa proposta AINDA ESTÁ EM TRAMITAÇÃO nelas salas e secretárias das Comissões do Senado. Isto quer dizer que poderá vir a ser aprovada e que poderá nesse circunstância vir a ter força de lei o seguinte (da proposta):
"2° A implementação do Acordo coincidirá com o fim do período
de transição, que será de 1° de janeiro de 2009 a 31 de dezembro de 2019,
durante o qual coexistirão a norma ortográfica atualmente em vigor e a
nova norma estabelecida, em todos os Estados que o tenham ratificado."
em todos os Estados que o tenham ratificado
Com ou sem a emenda oriunda da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, que elimina." Por outras palavras, poderá vir a haver um novo adiamento no Brasil, desta feita parlamentar, e não presidencial, para 2019!! Há esse risco. Porventura, será para alinhar com os prazos portugueses, não é?
O Sr. José Mário, na busca de "inverdades", esquece ou desconhece outras "inmentiras", numa matéria que é tudo, repito, menos linear do que pretende.
2. O VOP e o Lince estão bem e recomendam-se. Pois. Discordam entre si, dão informações erróneas (por exemplo, que no Brasil se escreve baptismo), violam o AO90. O VOP então manda escrever sotavento, à antiga, quando o AO90 manda que o prefixo sota- seja seguido de hífen (base XVI, 1.º, e) Isto está em quadro de lemas) que demonstra as incongruências entre diversos instrumentos lexicográficos, e mais ainda: que violam o próprio AO90. E é com base nisto que se defende algo que não passa de um dogma.
O Sr. José Mário Costa faria bem em ler o depoimento do Eng. Vasco Teixeira, acordista, que verbera o VOP. Já que não acredita nas "inverdades" dos oponentes, talvez dê mais atenção às "inmentiras" de um defensor do AO90, de alguém que, até há pouco, se sentia bem com as promessas de negócio que o AO90 lhe proporcionava.
3. Cita a resposta do Chefe de Gabinete do Ministro da Educação a perguntas de Deputados do PSD-Açores, dando-lhe o crédito que se dá a dogmas e axiomas, que dispensam análise, explanação e prova, para provar que está tudo bem e se recomenda. Isto menos de um mês depois de o Ministro ter concordado, em Luanda, que havia "constrangimentos e estrangulamentos". Ministério da Educação dixit, é verdade.
E que é uma "inverdade" que se escreva fato em vez de facto. É "inverdade" no plano teórico, pois na prática o Sr. José Mário Costa ignora, ou faz que ignora, que muito boa gente escreve e fala assim, como o Dr. Pedro Santana Lopes, o treinador da equipa de futebol do FCP, para não falar do que se lê no Diário da República, e passim. A isto acrescem os inúmeros tropeços diários. Não há dia em que não entre pelos olhos ou pelos ouvidos dentro mais um fato, um contato, um impato, um intato, um pato, um compato, uma oção, uma invita, uma recessão, assim mesmo (transcrição do Sol de notícia da Lusa sobre receção a caloiros). E não há influência da escrita na pronúncia??
Dir-se-á que o AO90 não sanciona fato e contato em Portugal, quanto mais impato! É "inmentira". Mas também o é que a prudência e o bom senso mandam retirar da circulação medicamentos que comprovadamente provocam efeitos secundários. Que não eram inesperados. António Emiliano, Ivo de Castro, Jorge Morais Barbosa, entre outros, chamaram previamente a atenção para tal possibilidade. E eis que as piores previsões são ultrapassadas pela realidade. Abram-se os olhos.
Mas está tudo bem e recomenda-se: José Mário Costa e outros defensores do dogma do AO90 são o Dr. Pangloss da Nação.
4. Não há três ortografias em curso. Não, há mais, muitas mais: o tugo-acordês, o brasuco-acordês, a brasileira de 1943, a portuguesa de 1945 em África e outros países africanos, além de na pena de muitos hereges em Portugal; e há as ortografias à la carte: a do VOP, a do Lince, as dos dicionários da Porto Editora, da Texto Editora, da Priberam, do VOLP de Malaca Casteleiro, do VOALP; a do Correio da manhã e a do Jornal do Barlavento Algarvio, que resolveram obedecer a umas normas do AO90 e desobedecer a outras. Há tantas quantas as diversidades de opinião, parecer e sentir.
Rui Miguel Duarte
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