segunda-feira, maio 28, 2012

E-mail a responsável da Universidade Lusófona, que aderiu ao AO90, a ponto de em algumas páginas "abrasileirar" a grafia


Exma. Sra.,

Como docente da Universidade Lusófona do Porto , queria chamar a melhor atenção de V. Exa. para o seguinte:

1. Dados os factos de:

1.1. A Universidade Lusófona ter decidido aderir ao novo acordo ortográfico de 1990 (AO90). 

1.2. Tal adesão ter sido um erro, em virtude de todos, menos um, dos pareceres jurídicos, constitucionalistas e linguísticos exarados ao longo de duas décadas lhes terem realçado os erros e incongruências nestes domínios, recomendando a sua não implementação e advertindo tempestivamente para os efeitos nefastos do mesmo, pareceres esses que foram desprezados; 

1.3. Tal implementação, pelos Estados Português e Brasileiro, ser ilegal e à revelia de duas condições essenciais, conforme estatuído no protocolo:1.3.1. A exigência de todos os Estados Lusófonos o ratificarem, sendo que Angola e Moçambique não o fizeram, e que, à luz do Direito Internacional, uma entrada em vigor unilateral do, num dos Estados signatários, antes que seja ratificada por todos, não apenas viola a tradição da Comunidade de Paises de Lingua Portuguesa (CPLP), como a Convenção de Viena (CV) sobre o Direito dos Tratados (art. 24.º no 2 CV), assinada por Portugal em 1969, sendo que a posterior decisão tomada entre Estados de decretar que basta a ratificação de apenas três dentre os Estados signatários não apenas não legitima a implementação do mesmo, mas agrava a violação do articulado da CV. E dois deles, repita-se, não mostram interesse nem pressas em ratificar, sem que os constrangimentos a que conduz a aplicação do acordo, conforme consta da declaração final da recente cimeira dos Ministros de Educação dos países da CLPL, havida em Luanda, sejam debelados.1.3.2. O art. 20.º do acordo ortográfico estipula que "Os Estados signatários tomarão, através das instituições e órgãos competentes, as providências necessárias com vista à elaboração (...) de um vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa, tão completo quanto desejável e tão normalizador quanto possível". Sucede que este Vocabulário Ortográfico comum, a elaborar em conjunto pela totalidade dos sete (agora oito, com a inclusão de Timor Lorosae entre as nações de língua oficial Portuguesa) Estados signatários, não existe.

1.4. O acordo ortográfico está mal cientificamente mal elaborado, como tem sido demonstrado por inúmeros pareceres, a que se aludiu acima (remeto para a abundante documentação arquivada emhttp://ilcao.cedilha.net/), e conforme se previra, disseminou as facultatividades gráficas onde antes havia alguma lógica e regularidade (norma sul-americana e norma euro-afro-asiática), e está a provocar inúmeras confusões, como a coexistência de ortografia pré-AO90 e pós-AO90 nas mesmas páginas de jornal e nas mesmas páginas de internet. A situação atinge o cúmulo da confusão em situações de ultra-correcção, nas quais em Português de Portugal se passa a escreve como no Português do Brasil, e nas quais é o AO90 mantém a dupla grafia, em virtude da dupla pronúncia. Exemplo são publicações como o Diário da República Portuguesa, em que está atestada a grafia "fato", onde se deveria ler "facto", sendo que o "c" é pronunciado na norma euro-afro-asiática. Tal denota (e não penso que seja outra coisa) ignorância por parte dos redactores, e não o propósito de "abrasileirar" o Português euro-afro-asiático. Ignorância essa gravemente potenciada pelo AO90; os efeitos perversos eram previsíveis. O que prova que o AO90 foi mal feito, mal previsto, mal pensado, mal conduzido enquanto processo científico, jurídico e político, e é profundamente inconsistente.Outro exemplo acha-se na página http://195.23.253.240:82/lic2012/Default.aspx?_locale=PT&_sec=contatos, da Universidade Lusófona. Tendo esta Universidade, embora aberta às oito nações lusófonas, a sede em Portugal, pergunta-se por que razão se alterou a grafia "Contactos", a correcta mesmo à luz do AO90, para "Contatos", de uso apenas no Brasil e errada em Portugal, antes e pós-AO90.


2. Face ao exposto, não somente enquanto opositor do AO90 mas sobretudo enquanto docente, investigador doutorado e cidadão preocupado com o rigor em tudo, e em particular no acto de alma e cultura que é a Língua Portuguesa, bem falada e bem escrita:

2.1. não posso deixar de chamar a atenção de V. Exa.. E ainda que a Universidade Lusófona decida manter a sua adesão ao AO90, após reflexão e por razões que científica e culturalmente ache ponderosas, não se deverá abster de zelar pela correcção, na qualidade de Universidade que é.

2.2. Recomendo a correcção da grafia, com a reposição da forma correcta "contactos". O "c", em Português euro-afro-asiático, é pronunciado. Nada existe, é verdade, no AO90 que preveja mudança de pronúncia em função da mudança da grafia, mas o contrário. E precisamente por isto, a correcção afigura-se urgente, e sistemática. Já agora, a título de contra-exemplo, o portal da Universidade Lusófona do Porto atesta a grafia correcta "contactos" (cf. http://www.ulp.pt/)

Na certeza, Exma. Sra., de que este correio merecerá da V. parte a melhor atenção, subscrevo-me com estima e consideração,


Rui Duarte

sexta-feira, maio 25, 2012

ESPINHO


“… um espinho, um enviado de Satanás para me atormentar…”
2 aos Coríntios 12:7

cravado um espinho me foi
na língua uma ponta cuja ponta
é o veneno por dentro do paladar
o hálito do anjo da negritude
uma textura acre
que reúne contra mim
num só golpe todos os golpes
e açoites do mundo

cravado na língua e revolvido
na carne como o punhal
no ventre do inimigo
que só nessa hora
se aprende a conhecer
de tão perto que os olhos
de uns nos do outro se vêem

pensava que com língua
amortalhada seria impossível dizer
os poemas da minha vida
que são a incessante forma
de o coração dentro dos escombros
do peito saber ser generoso

mas subitamente
elevado à morada mais longínqua
do céu sem corpo talvez sem sonho
aprendi que nenhum espinho trava
a língua antes mais a adestra
na cadência da palavra proclamada
na disciplina da graça

Rui Miguel Duarte
25/05/12
















sábado, maio 19, 2012

Entreguei

Entreguei ao mar as conchas
que de tantas se despoja
fiquei com a da mão

rendi ao céu as nuvens
que em tantas se espalha
guardei o algodão

dei aos olhos o teu rosto
que com tanto se sustenta
e resgatei uma ilusão

Rui Miguel Duarte
18/05/12

sexta-feira, maio 18, 2012

NO DORSO DAS ÁLEAS

“Le plomb que le cerisier
met aux ailes de la barbarie”
René Depestre, in “Voyage à dos de cerisier 3” 

o chumbo que se mistura
com as asas da corrupção
não mata a promessa
feita solenemente ao meu poema
de sair à rua com a luz levantada
das espaldas

o meu poema é português
chega-me no vinho
e nos sons indiferentes do oceano
e basta-lhes que as flores
da cerejeira lhe pintem o tempo

estou grato porque sei
que nasci com um destino:
quando as asas se abrirem
nas flores do meu país
viajar ao fundo da beleza

Rui Miguel Duarte

17/05/12



terça-feira, maio 15, 2012

EXORTAÇÃO

“Uma árvore tem sempre esperança”
Livro de Job 14:7

uma árvore tem sempre
esperança
semeada na raiz
enquanto os homens
deixam na terra, que lhes suportou
o peso, por tributo os ossos

só as árvores não morrem
mesmo que lhes separem
o tronco dos pés sempre darão
de si rebentos novos
pois persistentemente os seus olhos
fixam o seu amigo sol

tu homem em vez de rendido
ao rosto do pó
sê como as árvores
que se mantêm de pé,
em quem as aves do céu

também esperam

Rui Miguel Duarte

15/05/12




sábado, maio 12, 2012

FIAPOS DE PRIMAVERA

temperatura amena
nas pontas da brisa
com ameaças de frescura
sobre o rosto das árvores

a cada passo que dermos
talvez as nuvens abdiquem
um pouco o caminho
à passagem lesta
do sol

pelo menos assim podemos pedir
ao Deus do céu
que nos dê esse manto de luz
e o passeio no parque
com as crianças
de cada dia

12/05/12


terça-feira, maio 08, 2012

LUZ DO MUNDO

“… em todas as línguas do mundo
uma pequena luz bruxuleante”
Jorge de Sena

Uma pequena luz igual
a todas as outras
e desigual de todas as outras
uma pequena luz que incendeia
todos os sóis
uma luz que apenas brilha
tal a vida que é extraída da chama

que insiste em brilhar
sobre o sopro azedo
dos que a não percebem
porque se vestiram de negritude fosca
da indiferença do mundo
e não sabem que língua
fala a luz a luz
em todas as línguas clara
e brilhantemente vertida
eng kléng Liicht schéint
lux parua lucet
luz que se não extingue
que se não dobra ante qualquer
vento

em todo o mundo luz é 
o foco firme do mundo

7/05/12


segunda-feira, maio 07, 2012

Maravilhosa nova Europa

O governo alemão teima, e entende que não se devem encorajar na Europa políticas de relançamento, mais promover via das reformes no mercado de trabalho implementadas pelo antigo chanceler Gerhard Schröder. Anuncia-se um braço de ferro com o novo Presidente francês, ou então a cedência pragmática deste, como Sarkoky o fez.

sábado, maio 05, 2012

Enviar sms ao volante…

Como evitar que os condutores enviem sms enquanto conduzem? Eis os melhor método.

quinta-feira, maio 03, 2012

SOBRE A MURALHA



“… em casa da prostituta, chamada Raab…”
Josué, 2:1

cada olho da minha casa
dá para um dos lados da muralha

do lado de fora
corre um vento raso
aos murmúrios que ameaça
aplicar-se às trompetes da declaração
de guerra um vento que sobe
e penetra na minha casa até falar
às paredes com a promessa
que ela será para os projécteis
uma pedra firme no invisível

do lado de dentro chega-me
o pão e o valor do comércio
da minha vida
no chão do meu corpo
é o lado em que sou
por umas poucas horas
a estrela mais ascendente
e nas seguintes a mais cadente

de um lado chega vê-se
uma miragem no deserto
do outro conheço quanto deserto
há dentro da miragem

entre dentro e fora
da muralha de Jericó
oscila a minha casa
oscila dentro de mim

Rui Miguel Duarte
3/05/12

quarta-feira, maio 02, 2012

AQUELE DE CUJA MÃO FUGIU O ANJO

Do e-book "Aquele de cuja mão fugiu o anjo" (http://pt.scribd.com/doc/90401321/Aquele-de-Cuja-Mao-Fugiu-o-Anjo-Poemas-J-T-Parreira), o melhor livro (para o autor destas palavras), de jamais escrito por João Tomaz Parreira, o mais elaborado, o mais requintado em trabalho poético. A exigir, cada poema, uma degustação lenta, repetida, para acompanhar, detectar as múltiplas voltas, imagens, descrições, metáforas, efabulações que cada composição contém. Como um vinho. Uma homenagem não encomendada, mas com apreço poético. Um exemplo (p. 33):




DISCURSO AOS JOVENS

Não deixeis para amanhã
a vossa humilde tarefa de olhar
pela honra dos mais velhos
de pequeno
é que um rio faz o destino
das suas águas poderosas
nenhum pássaro
é novo em demasia
para se lançar no alto
imóvel céu

Escrevo-vos
porque cada dia
vos trará um surpresa
é preciso decantá-la até à gota
mais simples do sangue

Uma névoa que se levante
e se envolva nas coisas
como um rio de cinza – Vos escrevo
porque sois fortes – dissipai-a

todavia
que os dias de sol
não vos enganem
Bem e Mal já não são as fronteiras
que jamais deveriam tocar-se
por isto vos escrevo
para que o vosso coração se mova
na verdade.