quarta-feira, maio 18, 2011

MOSELA

 Vnde iter ingrediens nemorosa per auia solum
Beginning my lonely journey from there through trackless woodlands
et nulla humani spectans uestigia cultus
“Daí empreendi uma viagem solitária por matas sem carreiro
sem ver o mínimo sinal de cultura humana”
Décimo Magno Ausónio (c. 310-395 d.C.) de Burdígala (Bordéus), Mosella vv. 5-6 (1)

No teu tempo só havia o rio
e as margens de árvores rentes 
ao corpo hoje há pontes 
que fundaram cidades

no teu tempo havia povos 
em multidões vivendo nas ondas 
e barcaças de pescadores 
que os pescavam à linha, quase até à morte
hoje há outros barcos maiores 
com mais gentes dentro 
são viajantes e sentam-se 
à mesa sobre o rio
como tu na tua barcaça

no teu tempo só havia o rio 
buscavas as transparências 
os reflexos nas folhas, 
não havia escolhos que estancassem
as ondas nem ilhas ao meio 
que cortassem as correntes

havia o azul retido nos teus olhos 
e as viagens soltas na tua voz 
para outros rios e deuses e ninfas 
passeando pelos rios 
e deles partindo — para onde?

talvez para outras terras? 
na tua barcaça 
de regresso ao Mosela
para destas águas 
beberem eternamente

Ausónio, há hoje ainda
o que sempre houve, o rio
e as margens escavadas 
por pequenos pés de cepa 
para tua restauração
na frescura dum Riesling
e na brasa dum salmão 
insinuado num prato 
que engana o teu garfo
e que até suporta, Ausónio,
sem empalidecer a tua demora 

vias e escrevias tantas coisas 
no rio, Ausónio, muito mais do que o rio 
vem, Ausónio, como um velho poeta epicurista 
ou como Cristo e seus discípulos 
amar a branda mesa de amigos 
no campo à beira do repouso do rio 
que amamos 

7/05/11

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