Vnde iter ingrediens nemorosa per auia solum
Beginning my lonely journey from there through trackless woodlands
et nulla humani spectans uestigia cultus
“Daí empreendi uma viagem solitária por matas sem carreiro
sem ver o mínimo sinal de cultura humana”
Décimo Magno Ausónio (c. 310-395 d.C.) de Burdígala (Bordéus), Mosella vv. 5-6 (1)
No teu tempo só havia o rio
e as margens de árvores rentes
ao corpo hoje há pontes
que fundaram cidades
no teu tempo havia povos
em multidões vivendo nas ondas
e barcaças de pescadores
que os pescavam à linha, quase até à morte
hoje há outros barcos maiores
com mais gentes dentro
são viajantes e sentam-se
à mesa sobre o rio
como tu na tua barcaça
no teu tempo só havia o rio
buscavas as transparências
os reflexos nas folhas,
não havia escolhos que estancassem
as ondas nem ilhas ao meio
que cortassem as correntes
havia o azul retido nos teus olhos
e as viagens soltas na tua voz
para outros rios e deuses e ninfas
passeando pelos rios
e deles partindo — para onde?
talvez para outras terras?
na tua barcaça
de regresso ao Mosela
para destas águas
beberem eternamente
Ausónio, há hoje ainda
o que sempre houve, o rio
e as margens escavadas
por pequenos pés de cepa
para tua restauração
na frescura dum Riesling
e na brasa dum salmão
insinuado num prato
que engana o teu garfo
e que até suporta, Ausónio,
sem empalidecer a tua demora
vias e escrevias tantas coisas
no rio, Ausónio, muito mais do que o rio
vem, Ausónio, como um velho poeta epicurista
ou como Cristo e seus discípulos
amar a branda mesa de amigos
no campo à beira do repouso do rio
que amamos
7/05/11