caminhámos sobre as águas
e nelas semeámos a noite
para o amor feito
para nós
confiámos a distância
ao rio depusemo-nos de tudo
na luta contra as margens
até as mãos se reconhecerem no silêncio
unimo-nos
no segredo das árvores
lá, onde os navios
rasgam o caminho
Ri Miguel Duarte
23/04/12
Nova vida, abundante vida, tudo quanto pode proporcionar um encontro pessoal e radical com uma pessoa especial. A contracultura da nova criação, em Jesus Cristo. N.B.: Este blog está em desacordo com o chamado novo acordo ortográfico de 1990.
terça-feira, abril 24, 2012
segunda-feira, abril 16, 2012
MUDA
“como um cordeiro que é levado ao matadouro ou como uma ovelha emudecida nas mãos do tosquiador”
Isaías 53:7
vi pelos olhos de Isaías
a ovelha levada
diante dos nossos olhos
em marcha lenta
sobre o gume da faca
os escombros do mundo
dissolviam as maçãs do rosto
a mão do carniceiro
não é menos áspera
mas quiçá será mais compassiva
e lhe aliviará todo esse peso
que lhe cerra a garganta
se o gume finda na ponta
vale mais apressar o golpe
para que de uma vez por todas
se solte e ecoe o grito emudecido
se solte a dor a derradeira
como feto retido no útero
o grito que pesa sobre a espinha
é urgente a declaração
de que a marcha do silêncio
terminou
lá, no lugar onde o céu
se rasga da terra
lá, onde vi a carne
posta perante Deus e os homens
a carne que cala a boca
do mundo
Rui Miguel Duarte
15/04/12
sábado, abril 14, 2012
CRIANÇA DORMINDO
dorme doce criança
dorme sem futuro
nem passado nem presente
como quem está além da esperança
sem saber o que é não ser contente
ou perdida num túnel escuro
dorme a cabeça encostada suave
na coxa do papá faz o ninho a ave
14/04/12
dorme sem futuro
nem passado nem presente
como quem está além da esperança
sem saber o que é não ser contente
ou perdida num túnel escuro
dorme a cabeça encostada suave
na coxa do papá faz o ninho a ave
14/04/12
segunda-feira, abril 09, 2012
HOJE, PÁSCOA
“Iam a correr…”
Evangelho segundo João 20:4
hoje preferimos
deixar o sono dormindo na cama
e correr, correr ao túmulo
porque nos disseram que a morte
havia de si própria fugido
deixámos tudo até o peixe
fazer a sua faina nas brasas
e a fome arder só ao lume
e correr, correr ao túmulo
porque nos disseram que a pedra
havia desertado
hoje preferimos
saltar obstáculos
e mesmo pisar urtigas com ambos os pés nus
porque nos disseram que a vida
conquistara o vento
preferimos ao linho
molhado em aloés
antes molhar as frontes
com a água corrente da vertiginosa pressa
de chegar ao túmulo
o lugar de descansar
do tumulto o coração
Rui Miguel Duarte
9/04/12
domingo, abril 08, 2012
O QUE SE MOSTRA
“Depois mostrou-lhes as mãos…”
Evangelho segundo João 20:20
mostro-te as minhas mãos
as mãos que reconheces
pelo toque vazio dos pregos
estas mãos que aspergiram
os rios imortais entre os montes
mãos que dispersaram
no firmamento as poeiras
do tempo
inaugurando o ciclo das estações
debaixo da pulsação do sol
que criaram as notas musicais
para tu cantares
mãos que esculpiram os rostos
dos homens em madeira rara
mãos cujos dedos são finos
como os das aves
e cujas palmas a morte
pouco a pouco amarrotou
até à extinção total
mostro-te estas mãos
que beijaram os espinhos
e deles extraíram latejante
a rosa
Rui Miguel Duarte
Evangelho segundo João 20:20
mostro-te as minhas mãos
as mãos que reconheces
pelo toque vazio dos pregos
estas mãos que aspergiram
os rios imortais entre os montes
mãos que dispersaram
no firmamento as poeiras
do tempo
inaugurando o ciclo das estações
debaixo da pulsação do sol
que criaram as notas musicais
para tu cantares
mãos que esculpiram os rostos
dos homens em madeira rara
mãos cujos dedos são finos
como os das aves
e cujas palmas a morte
pouco a pouco amarrotou
até à extinção total
mostro-te estas mãos
que beijaram os espinhos
e deles extraíram latejante
a rosa
Rui Miguel Duarte
7/04/12
domingo, abril 01, 2012
TINTO
“en tinta púrpura
da prensa escorre o poema da vida”
Ramón Blanco
esmaga a uva
até lhe retirar a tinta no palato
os dedos contam as gotas
que escorrem devagar
ao batimento de cada raio de sol
enquanto a aranha tece
a mortalha para a mosca
as pipas e tonéis abrem-se
de espanto para a nota rubra
de frutos silvestres
que sairá da obra de desespero das suas mãos
então, o que esmagou e matou
no lagar, lugar onde são as promessas geradas,
é o que dá a vida aos homens
é o sangue, pelo qual navega
tudo quanto resgata
ao adormecimento dos lábios
e tece na língua um poema tinto
de final longo
1/04/12
quarta-feira, março 28, 2012
OUTRA JERUSALÉM
“Construam casas para nelas habitarem; plantem hortas e comam do seu fruto.”
Jeremias 29:5
disseram-nos
que construíssemos casas
e as adornássemos de pomares
a toda a volta da nossa vista
aí, dia a dia, faríamos amor
até bisnetos nos nascerem
disseram-nos
que nessa terra ao plantarmos hortas
colheríamos paz, que muros
não haveria que estancassem
os nossos sonhos
nem o flagelo da fome nos puniria
e assim fizemos:
mesmo embutidos entre os rios
toda a terra
é outra Jerusalém
26/03/12
Jeremias 29:5
disseram-nos
que construíssemos casas
e as adornássemos de pomares
a toda a volta da nossa vista
aí, dia a dia, faríamos amor
até bisnetos nos nascerem
disseram-nos
que nessa terra ao plantarmos hortas
colheríamos paz, que muros
não haveria que estancassem
os nossos sonhos
nem o flagelo da fome nos puniria
e assim fizemos:
mesmo embutidos entre os rios
toda a terra
é outra Jerusalém
26/03/12
terça-feira, março 27, 2012
BABILÓNIA
fora do mundo
descobrimos que há mundo
que há jardins e palácios
para lá do deserto
e também rios de águas vítreas
que para lá do choro e do riso
também há riso e choro
e que as lágrimas não são as últimas coisas
que derramamos
e que também aí a alegria se purifica
nunca imaginámos
que os caminhos do Senhor fossem
tão vastos e que o vento
levasse tão longe o aroma
do figo maduro
26/03/12
descobrimos que há mundo
que há jardins e palácios
para lá do deserto
e também rios de águas vítreas
que para lá do choro e do riso
também há riso e choro
e que as lágrimas não são as últimas coisas
que derramamos
e que também aí a alegria se purifica
nunca imaginámos
que os caminhos do Senhor fossem
tão vastos e que o vento
levasse tão longe o aroma
do figo maduro
26/03/12
sábado, março 24, 2012
MEDITAÇÃO SOBRE O SALMO 137
recostamos os joelhos à beira dos rios
da Babilónia, os rios onde nem
os pés lavamos da marcha desde Sião,
mas os pensamentos vão lavados
e perambulam como corças
pela nudez acre da nossa terra
esfolada
perguntando aos rios se
haverá ainda por lá salgueiros em pé
é que nos arrancaram dos olhos
os contornos de Sião
e despojaram os nossos ombros
do linho de Jerusalém,
e nus nos deixaram
sem a túnica santa e branca que vestíamos
ao sábado
se de ti, Sião, a memória se escoar
nestas águas estranhas
que os dedos da minha mão direita
percam o tacto sejam como fantasmas
nas cordas da harpa
19/03/12
segunda-feira, março 19, 2012
MEDITAÇÃO SOBRE O SALMO 137
recostamos os joelhos à beira dos rios
da Babilónia, os rios onde nem
os pés lavamos da marcha desde Sião,
mas os pensamentos vão lavados
e perambulam como corças
pela nudez acre da nossa terra
esfolada
perguntando aos rios se
haverá ainda por lá salgueiros em pé
é que nos arrancaram dos olhos
os contornos de Sião
e despojaram os nossos ombros
do linho de Jerusalém,
e nus nos deixaram
sem a túnica santa e branca que vestíamos
ao sábado
se de ti, Sião, a memória se escoar
nestas águas estranhas
que os dedos da minha mão direita
percam o tacto sejam fantasmas
nas cordas da harpa
19/03/12
domingo, março 11, 2012
POR ONDE ANDA UM POEMA
Por onde anda um poema
um só esgaçado nas orlas da tarde?
um poema que não vá em modas
novas como uma brisa que não sacode
os nossos ombros
por onde anda um poema
um só capaz de rescender maresia?
dai-nos um desses à língua
sem lhe retirardes o sal
dai-nos esse pão nosso quotidiano
que perdoa todas as ofensas
e nos eleva às alturas do canto
a rasar as asas dos pássaros
buscamos esse poema
limpo da textura de água
em que a infância
encontre a sua casa
11/03/12
terça-feira, março 06, 2012
SEGREDO
“Uma árvore tem sempre esperança; mesmo que a cortem, brota de novo e não pára de produzir rebentos.”
Job 14:7
deixa-me contar-te,
criança velha,
o segredo da árvore
sempre de pé, mesmo quando
lhe deitam o tronco
e os ramos são separados do sol
mesmo quando suspendem
o abraço com o qual te consolavam
vegetal, e por isso
tão rente à terra
criança velha,
da árvore eis o segredo:
a raiz sempre permanece de pé,
apegada à fertilidade
do silêncio
6/03/12
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Rui Miguel Duarte
NEVA EM VARSÓVIA
(a propósito de uma cena do filme O Pianista de Roman Polanski)
neva em Varsóvia
enquanto o fugitivo passa
com pés de pluma sobre as teclas
do piano dedo a dedo
sobre a cabeça enegrecida
que o chapéu esconde,
o fugitivo ao de leve entre os bicos
dos corvos e o piano é
à cautela uma labareda
sobre a cabeça enegrecida
mas mais negra ainda é a neve
1/03/12
domingo, março 04, 2012
NEVA EM VARSÓVIA
(a propósito de uma cena do filme O Pianista de Roman Polanski)
neva em Varsóvia
enquanto o fugitivo passa
com pés de pluma sobre as teclas
do piano dedo a dedo
sobre a cabeça enegrecida
que o chapéu esconde,
o fugitivo ao de leve entre os bicos
dos corvos e o piano é
à cautela uma labareda
sobre a cabeça enegrecida
mas mais negra ainda é a neve
1/03/12
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sábado, fevereiro 25, 2012
PAROXISMO
μείζω γε μέντοι τῆς ἐμῆς σωτηρίας
εἴληφας ἢ δέδωκας“
mais recebeste para minha salvação
Eurípides, Medeia v. 534-535
mais recebeste do que deste
o próprio nome te pus
na fronte o nome pelo qual foste retirada
dentre as bestas selvagens pois não sabes
mas os dentes que exibem são teus inimigos
e tu insistes, Medeia, e mordes nas crianças?
como desejei mudar o teu hálito de canibal,
ó mulher traidora da tua própria terra,
mulher de cabelos de vapor,
tu tão pouco me deste
e eu que tanto te dei, o nome de Hélade apenas
e com ele te dei tudo
23/02/12
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quarta-feira, fevereiro 22, 2012
OS BÁRBAROS
OS BÁRBAROS
Γιατί οι βάρβαροι θα φθάσουν σήμερα
“Os bárbaros chegam hoje”
Konstantinos Kavafis
chegam hoje, vêm para ficar
com barbas pintadas de sol
chegam ao amanhecer
quando os risos esperam o galope
dos seus cavalos de pompa
os bárbaros de barba que impõe silêncio
aos medos que no gume ferem o grito
da injustiça chegam hoje
eles sabem quem somos que temos poetas
dissimulados na facunda beleza dos frisos
e trazem uma nova alma nas barbas
finas como fios de sangue
a nova alma de que carecemos
a nova liberdade, liberdade das palavras
que são enganos
vêm, estão para chegar, arranquemos
de nós todas as dúvidas que nas espadas
das barbas trazem a solução, pois
mais não precisamos que da claridade
do ferro nos nossos rostos
22/02/12
Γιατί οι βάρβαροι θα φθάσουν σήμερα
“Os bárbaros chegam hoje”
Konstantinos Kavafis
chegam hoje, vêm para ficar
com barbas pintadas de sol
chegam ao amanhecer
quando os risos esperam o galope
dos seus cavalos de pompa
os bárbaros de barba que impõe silêncio
aos medos que no gume ferem o grito
da injustiça chegam hoje
eles sabem quem somos que temos poetas
dissimulados na facunda beleza dos frisos
e trazem uma nova alma nas barbas
finas como fios de sangue
a nova alma de que carecemos
a nova liberdade, liberdade das palavras
que são enganos
vêm, estão para chegar, arranquemos
de nós todas as dúvidas que nas espadas
das barbas trazem a solução, pois
mais não precisamos que da claridade
do ferro nos nossos rostos
22/02/12
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sábado, fevereiro 18, 2012
QUEM OS DEUSES AMAM
Ὃν οἱ θεοὶ φιλοῦσιν ἀποθνῄσκει νέος
Quem os deuses amam morre novo
Menandro
os deuses amam
as tuas gargalhadas
e riem-se
encontram nos teus olhos
pérolas incandescentes
que anelam possuir
e para isso retorcem
os dedos
os deuses na tua boca
a voz amam
clamam pelo que tens
e eles não conhecem
e por isso no teu corpo jovem
acordam o sonho
e na mesma pressa de amar
to reclamam
quem os deuses amam?
que deuses amam?
18/02/12
terça-feira, fevereiro 07, 2012
ECLAIR
tes yeux de colombe
s’épanouissant en pétales d’ombre
tes yeux encastrés en arbre
dans un volcan de marbre
tes yeux de poussin
éclairant les premiers rideaux du matin
7/02/12
PIEGUICE
Não sejais piegas
— diz o governante ao povo
a excelência não anda às cegas
mas vive e trabalha com energia ele é novo
e aos gestos dá voz à voz largo espaço
com isto ensina uma imortal
lição à indolência nacional
— fazei o que eu digo não o que eu faço
7/02/12
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Pedro Passos Coelho,
Primeiro-Ministro
sexta-feira, fevereiro 03, 2012
BOA NOTÍCIA
Vasco de Graça Moura, ao tomar posse posse como novo presidente do Centro Cultural de Belém, em coerência com o que sempre tem defendido (e eu próprio defendo), decide abolir o Novo Acordo Ortográfico da documentação da instituição.
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