sábado, setembro 29, 2007

Boas e más notícias I: a má notícia


Maria Carolina, minha avó, 6/06/1923 - 23/09/2007

Na sequência de um AVC e 7 horas de coma, expira a minha avó materna. Quase ao cabo de uma semana de aparecer com um pé roxo e frio e de internamento, e quando o seu estado dava sinais de evolução positiva.
Todos nós, na nossa família, nos lembramos do seu humor e boa disposição. Fomos tocados pela candura do seu coração, pela simplicidade, ingenuidade, ternura, simpatia, lindo sorriso com que se relacionava com os outros. Mostrava-se generosa e sempre pronta a acreditar nos outros e simples na sua fé. Era uma simplicidade de criança, sem malícia. As experiência de vida que lhe endureceram o carácter (só chorava quando se comovia com um filme ou telenovela, ou com os netos, e nunca a conheci com tendência para se deprimir ou se lamuriar), respondia com humor. Um exemplo foi — contaram-me — quando deu entrada no hospital. O médico perguntou-lhe como se chamava e ela respondeu: Maria Carolina Roseira Martins. Nisto, toca na mão do médico e pergunta-lhe se gostava do seu nome. Ao que ele respondeu que sim, que era o nome de pessoas importantes, como a Princesa Carolina do Mónaco. Ao lhe perguntarem quem a acompanhava, terá apontado para a filha, minha mãe, e terá gracejado que esta estava muito acabada! Queixou-se da sopa que lhe serviram, que qualificada como “água de lavar couves”! E mostrava-se lúcida e consciente do seu estado de saúde e da idade que tinha, com dúvidas de que chegaria a ver o bisneto. Houve tantas outras situações em que nos rimos com ela, por coisas comentários ou observações ditas com graça a propósito de tudo e de nada, às vezes por ignorância, em virtude do seu baixo nível de estudos, ou simplesmente por simplicidade infantil, tantas que não me consigo agora lembrar de nenhuma em particular. Fizeram parte da nossa vida em comum durante os 38 anos em que fui seu neto. Destaco apenas as mais recentes situações, por serem as mais recentes e por serem reveladoras desse humor de quem parecia passar ligeira pela vida.
Todos nós nos fomos habituando à sua presença. E, apesar de a saúde, a robustez, agilidade física e intelectuais diminuírem, as dificuldades na saúde se acrescentarem (normal com o avançar da idade), fui-me (fomo-nos) acostumando a ver os seus anos acumularem-se. A sua presença tranquila e doce impunha-se. E resistindo a braços fracturados, quedas ou constipações. Como a Duracell. Inconscientemente, sabia (sabíamos) que mais tarde ou mais teria de partir, até por ser a mais velha da família. Mas vê-la durar dava a impressão de que ainda a veríamos testemunhar o nosso próprio envelhecimento, e acomodei-me (acomodámo-nos) a isso. Pessoalmente, esperava que ainda conheceria a sua bisneta. Partiu na véspera de saber que a criança esperada é uma menina, ao menos isso, pois teria de viver até fim de Janeiro para a conhecer.
Assim o Senhor não fez. E embora esteja triste por isso, e muito me custe que ela não venha a partilhar desse momento por vir, sou imensamente grato a Deus por ter prolongado os seus anos até aos 84. Bonita idade. E por ter permitido que não sofresse, por não ter passado uma dolorosa sobrevivência a um acidente vascular cerebral. Grato ainda muito mais por tê-la tido como avó e como pessoa. Pela bênção que foi para mim. Por tê-la amado tanto e ter sido igualmente tão amado por ela. Posso dizer que, ao contrário do que sucede com muita gente, que nestes momentos expressam remorsos e concluem por não terem presenteado o familiar falecido com bastante amor, carinho, simpatia, atenção, tenho paz no meu coração por — apesar de algum afastamento meu a partir de 1991, em virtude da minha vida profissional, tendo saído da casa dos meus pais e passado a residir longe da Amadora, com visitas de longe em longe, curti (passo o termo) a minha avó velha. Aproveitei-a bem. Não posso dizer: não lhe expressei amor as vezes suficientes. Não sinto que lhe ficasse a dever alguma coisa. Não. Recebi e dei.

Chorei convulsivamente quando recebi a notícia do AVC, orei, clamei a Deus em desespero, lutei contra qualquer influência que Satanás tivesse nessa doença. Ao receber a notícia do desfecho, não chorei tanto. Era um desfecho previsível e natural, face ainda à ao quadro de arteriosclerose e diabetes, pois deste lado da eternidade ainda estamos sujeitos à morte física, apesar de Deus ser Senhor de milagres e da cura. E é possível que ainda venha a chorar… então, que chore tudo o que tiver a chorar, pois, se a vida continua, nem por isso se deixa de chorar quando se sofre uma grande perda.
É pois desta velhinha querida, a minha velhinha, que me despeço, que digo adeus no meu coração. Que descanse em Jesus tinha sido a minha oração por ela, pois quem quer que invoque este nome será salvo (Actos 2:20).

2 comentários:

Tinoca Laroca disse...

AMEN.
Conta com o meu carinho.
E com o Consolo do que Mais Interessa: Deus-Pai, Deus-Filho e Deus-Espirito.
God bless you.
T.

rui miguel duarte disse...

Obrigado, amiga.