vai, escravo buscar a carta da tua alforria
o teu passo ainda hesita, estará a carta
pronta, quem
a assinará? quantas folhas a compõem? de
que árvore?
vai o pensamento à frente e o passo
vai confessante as palavras depositadas no
selo
escarlate que identifica o senhor
é a garantia do que a mão espera apreender:
a carta
lustral que torna eficaz a alforria
a declara inscrita nos céus, riscada por um
cometa
escarlate do sangue do escravo
o teu sangue, escravo, com ele
for riscado um tapete
que os teus pés pisam
e os fere em brasa
como se fosse uma punição
por uma culpa qualquer que é só tua
a culpa de querer a alforria
mas fizeram-te a promessa,
e esse escarlate é agora
os sapatos da corrida
que tu encetas, pois acelera, vai,
cessa de prender o passo no chão
das hesitações
para trás das costas ficaram os chicotes
vai, escravo, transpostos os estratos do
sonho
vai de cabeça alta e pernas firmes
como cedro do Líbano
buscar a carta da tua alforria
Rui Miguel Duarte
12/01/2016