sexta-feira, março 26, 2010

Igreja perseguida

Escrevi há dias em comentário a "post" de um colega "facebooker" que as circunstâncias de perseguição se têm traduzido, historicamente, no cumprimento por parte da igreja do seu propósito. O tópico da discussão era a atitude desta face aos pobres, os desemparados, os "pródigos" do mundo, e a confissão de muitos colegas e irmãos de que a igreja (e quando dizemos "igreja" estamos implicados no que dizemos) tem falhado neste domínio, pois sofre dos males do comodismo e do compromisso com o conforto.
Introduzo aqui o esclarecimento da minha proposta, que pretendia gerar outro olhar e virar a mira para outro alvo complementar, por não ser certo que tenha sido entendida — e em que medida o foi. Porque é algo em que por vezes o meu íntimo reflecte. Porque não quero apenas um pouco da plenitude, mas a totalidade da mesma.

Por um lado, não parece que a perseguição seja condição sine qua non de a igreja ser e viver efectivamente do modo e nos moldes para que foi criada pelo Senhor. Creio, face à Bíblia, que o plano divino é de a igreja exercer o seu munus de forma triunfante e de assim influenciar o mundo jacente no maligno, pela diferença, pela contra-cultura. Tal não se cumpre necessariamente em contexto de perseguição, mas recordem-se outro momentos históricos em que as perseguições foram o motor de despertamentos espirituais e crescimento do Reino de Deus. E assim ainda é, fora do mundo ocidental ou ocidentalizado (que é quase todo o planeta), designadamente em regiões e nações de maioria ou oficialmente conotadas com uma determinada outra religião não-cristã ou não-evangélica ou doutrina política. A igreja dos primórdios, por exemplo, vivia confortavelmente em Jerusalém. Os discípulos do Caminho eram judeus que reconheceram em Jesus Cristo o cumprimento das profecias messiânicas; o Caminho era para Israel; e eram conhecidos e estimados pelo povo em geral pela sua união, amor e entrega aos outros, manifestando o primeiro amor, em termos práticos, na assistência aos necessitados. Encasularam-se, porém, porquanto a voz de Jesus soara (Actos 1:8): "e ser-me-eis testemunhas, tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia e Samária, e até os confins da terra". A progressão não se dava. Os confins da terra foram confundidos com as muralhas da cidade de Deus. Então sucede o indesejável, o desconfortável: a perseguição, que obrigou à disseminação daqueles queridos discípulos de Jesus até aos confins da terra (conhecida), às "nações". E o Evangelho foi para todos. E o som da voz de Jesus é o mesmo hoje. Nem todos têm de ir até aos "confins da terra", há os que podem ser testemunhas em Jerusalém mesmo, no lugar do nosso conforto.

A reacção católica e régia francesa ao avanço do protestantismo conduziu a massacres. A Europa central foi devastada por estúpidas guerra de religiões. O Luxemburgo permaneceu imune à Reforma, católico e mariano, e ainda hoje o BI menciona a religião do portador, católico invariavelmente. O catolicismo e marianismo são considerados marcas da identidade nacional, e o cidadão luxemburguês que se converta ao Evangelho passa a ser olhado de viés, como traidor. Os estrangeiros que tenham a sua religião à vontade, o luxemburguês é ontologicamente católico.

As circunstâncias de perseguição ou de liberdade religiosa, pois, não determinam necessariamente a qualidade da vivência cristã. Podem ser bem ou mal aproveitadas. Há casos em que a liberdade é mal usada, e se promovem práticas evangelísticas questionáveis, seja porque se prega apenas a condenação e não a salvação e o perdão, seja porque se usa o nome de Deus levianamente (cf. aqui e aqui). No meio da perseguição também o conformismo, a tentação de simplesmente sobreviver se podem impor.
O confronto com a perseguição, com o desconforto, com a hostilidade cultural, mental, de valores e práticas, a redução das liberdades, ainda que indesejáveis, podem, contudo, ser uma circunstância a que Deus, ocasionalmente e com maior eficácia, recorre para purificar a sua igreja, retirá-la do conforto e reduzi-la à sua essência e àquilo que é essencial: a dependência da Sua Graça, a obediência a Ele, a vida para partilhar com os outros, os que não tiveram ainda a oportunidade de conhecer esse, o Seu Amor libertador. A perseguição pode servir como peneira que separa o discípulo que ama o Mestre daquele que ama o culto e botar sentenças sobre o Mestre. O trigo do joio.

O próprio Senhor garantiu que haveria, para quem o seguisse, muita coisa boa, e em quantidades industriais. Além de perseguições (Marcos 10:30).

Será que no mundo ocidental, na vetusta Europa pós-cristã e secular, estaremos a precisar de uma perseguiçãozinha?

4 comentários:

Unknown disse...

Estou de acordo. Gostemos ou não a perseguição (resultante da fé) sempre fez parte da história do Cristianismo bíblico. Jesus diz que são felizes (bem aventurados) os perseguidos por causa do Seu nome. Por isso...

Brissos Lino

Unknown disse...

Gostei e concordo.
Permita-me que assine em baixo.
JM

rui miguel duarte disse...

Obrigado, Brissos e Jéssica. Só um problemazinho, Jéssica: não acho o seu perfil? Tem um blog ou conta no Facebook?

J.T.Parreira disse...

Meu querido amigo Rui, desenvolveste bem a temática que esse teu colega «facebookeriano» colocou, tanto quanto pude perceber da leitura em «su sitio».
Claro que no FB vou dizer que gostei.
Abraço.