Nova vida, abundante vida, tudo quanto pode proporcionar um encontro pessoal e radical com uma pessoa especial. A contracultura da nova criação, em Jesus Cristo. N.B.: Este blog está em desacordo com o chamado novo acordo ortográfico de 1990.
segunda-feira, outubro 26, 2009
FERIDA
“Espera-O uma coroa de espinhos
Para secar o sangue sobre a fronte, espera-o
a fome de um chicote
que as costas lhe há-de devorar”
J. T. Parreira, “No Jardim do Gêtsemani”
A fome batia uma litania
vai e vem sobre o dorso como tambor
O látego batia em sintonia
com a contagem ritmada
da voz do decurião
uma, duas, três, até quarenta
e com os gritos
de dor do condenado
E latejava as nossas cabeças
dentro de cada dentada das fauces
do chicote estampido vai e vem
Acirrámos os dentes
em aprovação do castigo
e dos gritos do condenado
as costas devoradas
as gotas de sangue salientes
eram o nosso prazer e satírico canto
Mas não deixávamos de pensar
que a obra do carrasco
devia ficar na discrição
recôndita duma caserna romana
longe da vista e do coração
e ensaiámos apartar o olhar
desviá-lo do esbatimento do seu rosto
em busca da geometria da dança
de um bando de pássaros que por ali voasse
ou admirar as coríntias colunatas do pátio
onde decorria o evento
Mais tarde esperava-o uma coroa
sobre a cabeça de espinhos
para o sangue na fronte lhe secar
E escorria das nossas cabeças
E depois ainda
esperava-o ser fixado na cruz
poucos de nós ficaram para ver
preferimos meter-nos pelas cruzes das ruas
pés apressados para o recolhimento e a piedade
pois esperava-nos a Peschah em casa
ao lume do assado do cordeiro,
o único a quem hoje se devia secar o sangue
Mas o vai e vem do flagelo batia em nós
e a voz de comando do decurião e os gritos de dor
o sangue porfiava em correr de nós
como mulheres nos dias da impureza
os panos não o estancavam
banhámo-nos mas a água
solidária tingia-se de escarlate
O chicote a coroa a voz do decurião e o sangue éramos nós
o que tínhamos nós com esse contumaz blasfemo
de rosto deformado condenado?
Caímos no chão
Éramos nós os condenados
de costas devoradas e frontes sangradas
à beira do vale onde a morte se dissimula de sombra
Por fim acordámos
Esse sangue
penetrava-nos até aos corações
e corria agora neles
lavados
17/10/09
Originalmente publicado em Papéis na gaveta, por gentileza do poeta J. T. Parreira
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